No retorno dos vereadores de Campo Grande após o feriado, a pauta da Câmara Municipal ganhou contornos intensos com a votação de dois projetos que tratam da doação de imóveis públicos para empresas privadas. Essas propostas, inseridas no Programa de Incentivos para o Desenvolvimento Econômico e Social (Prodes), remetem a uma discussão profunda sobre transparência, responsabilidade social e o uso estratégico do patrimônio público em prol do desenvolvimento local.
Os textos prevêem a doação de dois terrenos para empresas bem distintas: a Comércio Atacadista Garlic do Brasil Ltda e a G3S Comércio e Indústria de Ferro e Aço Ltda. Essas propostas, se aprovadas, alteram diretamente a destinação de bens públicos, e levantam questões importantes sobre os critérios adotados para conceder incentivos: não basta apenas estimular o crescimento econômico, é preciso garantir que esses incentivos gerem valor social e empoderamento econômico para a população local.
Entre os vários dilemas que emergem dessa decisão, destaca-se a falta de detalhamento sobre os valores e a localização exata dos imóveis ofertados. A ausência de transparência nesse ponto desperta preocupação pública: como os cidadãos podem acompanhar o impacto dessas doações se não há clareza sobre a magnitude dos terrenos ou seu valor de mercado? Esse tipo de lacuna abre espaço para questionamentos legítimos sobre a justiça e a eficácia das medidas adotadas.
Por outro lado, os defensores das propostas argumentam que esse tipo de incentivo é essencial para fomentar a economia, gerar empregos e atrair investimentos para a cidade. Dentro do Prodes, espera-se que as empresas beneficiadas invistam de forma concreta, cumprindo exigências como a contratação de mão de obra local e a manutenção de determinadas obrigações para manter o direito sobre os imóveis doados. É uma balança delicada: por um lado, o poder público precisa mostrar que recompensa empresas atuantes; por outro, precisa assegurar que essas parcerias não sejam apenas simbólicas.
A discussão também ganha relevância política, uma vez que alguns vereadores defendem a modernização da legislação do Prodes. Há propostas em análise para reforçar a cláusula de reversão — isto é, a retomada do imóvel por parte da prefeitura caso as empresas não cumpram os compromissos previstos no programa. Essa possibilidade de reversão pode ser vista como uma garantia para evitar que o município perca patrimônios estratégicos sem retorno real em investimentos ou emprego.
Mas a questão vai além de mera legalidade. Há um componente ético significativo: a doação de terrenos públicos para empresas pode ser vista como uma concessão de recursos coletivos para interesses privados. Se não for bem supervisionada, essa dinâmica pode reforçar desigualdades e consolidar privilégios. É fundamental que a população participe desse debate, exigindo fiscalização rigorosa e prestação de contas real.
Outro ponto que pesa é o planejamento urbano. Imóveis públicos são parte do patrimônio coletivo e podem servir para políticas habitacionais, culturais ou sociais. Doar esses espaços sem considerar outras demandas estruturais da cidade pode comprometer o desenvolvimento de longo prazo. Portanto, a decisão não afeta só a economia imediata, mas reflete escolhas sobre a visão de cidade que Campo Grande quer construir.
Em resumo, a votação dessas propostas na Câmara representa um momento crítico para Campo Grande: é uma encruzilhada entre incentivar o crescimento econômico e resguardar o bem público. O debate sobre a doação de imóveis públicos a empresas exige não apenas decisões políticas, mas responsabilidade social e participação cidadã. Afinal, quando o poder público decide ceder parte de seu patrimônio, quem realmente se beneficia — e como — é uma pergunta que todos devem acompanhar de perto.
Autor: Antomines Adyarus
